A fila do Sermão

Há filas que ensinam decência. E há filas que ensinam exatamente o contrário — a arte de empurrar a alma alheia. Hoje vi uma senhora com sacola cheia esperar educadamente. Ao lado, um homem com fone nos ouvidos interpretava a pressa do mundo como licença para transformar o espaço público em seu reino de ego. Cortou, calculou, esticou o braço: “Só passo na frente, é rapidinho”. Rapinho é o conto de fadas dos inconvenientes.

O que me impressiona é a fantasiosa ética de quem acha que o próprio tempo vale mais do que o de todos. Como se os minutos dele tivessem mais quilates. Pergunto: desde quando a pressa virou argumento? Desde quando a ausência de educação virou prioridade?

A fila ensina paciência. Mostra o quanto esquecemos de olhar para o outro. E quando alguém resolve ensinar com antecedência, a plateia aplaude o que antes era imperdoável: a grosseria disfarçada de eficiência.
Se a vida fosse só dessa pressa, ainda bem que existem filas. Elas nos lembram que, por enquanto, o mundo continua precisando de empatia — e de gente que saiba esperar sem se sentir injustiçada por isso.

Atenciosamente,

A Observadora Ácida

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