Entre o pedágio e a indiferença
Lá estava eu voltando de viagem, atravessando o pedágio da cidade de Mairiporã (MG), quando a cena me fez frear a alma: três carros tentando encurralar um cachorro no canto da rodovia.
Desci do carro perguntando o que havia acontecido, se precisavam de ajuda.
Silêncio.
Três mulheres em volta do animal, mas ninguém encostava. Não por agressividade do cachorro — ele não rosnava, não mostrava os dentes. Estava apenas apavorado. O medo ali não era dele. Era humano. Ou talvez fosse nojo disfarçado de cautela.
Foi um homem, no carro ao lado, quem finalmente explicou:
— Um carro acabou de passar pela cancela do pedágio e jogou o cachorro pela janela.
Sim. Jogou. Como quem se livra de um lixo inconveniente.
Como tenho pets, carrego uma guia no carro. Peguei, desci e fui tentar segurá-lo. Enquanto isso, perguntava: alguém viu a placa?
Ninguém viu. Estamos sempre tão distraídos — até quando o crime acontece diante dos nossos olhos.
Pedi ajuda à senhora que confirmou ter visto o abandono. Sugeri irmos até o pedágio: se o carro passou ali, há câmeras.
No local, uma funcionária foi educada, tentou ajudar, buscou informações no sistema. Mas logo veio a frase que dói mais do que o descaso:
— A empresa não faz mais nada nesses casos. Antes até recolhiam, mas desistiram. É fora de controle.
Fora de controle para quem?
Porque para o cachorro, o controle é simples: ou ele morre atropelado, ou sobrevive por acaso.
Começa então o jogo de empurra institucional: liga aqui, liga ali.
“É 24 horas”, dizem no Google.
Na prática? Ninguém atende.
Polícia, bombeiros, órgãos ambientais — todos apontam para outro número. E no fim, ninguém aparece.
ONGs próximas? Todas fechadas.
Porque, aparentemente, abandono não acontece em fins de semana nem em fim de ano. Animais deveriam seguir o calendário comercial.
Esperei 1h30.
Depois de mais ligações, a resposta era sempre a mesma:
— A equipe está em outro chamado. Depois irá.
Depois nunca chegou.
Decidi seguir viagem.
E o cachorro veio comigo.
Jamais teria coragem de deixar um ser idoso, frágil e confuso numa rodovia onde caminhões passam como se vidas fossem obstáculos descartáveis. Já é difícil encontrar lar para animais abandonados; quando são idosos, parece que o mundo decide que não vale mais a pena tentar.
Estamos em 2025.
Depois de Cristo.
E ainda não aprendemos a tratar bem nem o próximo — quanto mais aqueles que não falam.
Não gosto de desejar mal a ninguém.
Mas você 🫵🏼, que jogou esse cachorro pela janela: lembre-se — a vida cobra.
Aqui se planta, aqui se colhe.
A conta chega. Sempre chega.
⚖️ Abandono e maus-tratos são crime no Brasil
Abandonar ou maltratar animais não é falta de caráter apenas — é crime.
📌 Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais)
📌 Lei nº 14.064/2020 (Lei Sansão)
🔴 Maus-tratos contra cães e gatos:
Pena: 2 a 5 anos de prisão
Multa
Proibição de guarda do animal
Abandono é considerado forma de maus-tratos.
📞 Canais para denúncia e resgate (quando funcionam)
Polícia Militar: 190
Bombeiros: 193
Disque Denúncia Ambiental (IBAMA): 0800 618080
Delegacias eletrônicas estaduais (registrar ocorrência)
ONGs locais (quando disponíveis)
💡 Sempre que possível:
Tire fotos ou vídeos
Anote local, horário e detalhes
Registre ocorrência (mesmo que pareça inútil)
P.S.: O doguinho está fisicamente bem, não se machucou — mas está triste. Ainda não quer comer.
A mesma senhora que viu tudo tentou “lavar as mãos”:
— Moro longe, tenho que ir embora… deixa ele num posto.
Meu Deus.
Como pode existir gente assim?
(Foto de quando estávamos esperando o socorro, que nunca veio)Atenciosamente,
A Observadora Ácida
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